domingo, 28 de novembro de 2010

Ex-chefão, Coppola vira independente

O cenário musical brasileiro foi agitado nos últimos dias pelas visitas de Paul McCartney e Lou Reed, mas o cinema não fica muito atrás. O ator argentino Ricardo Darín (“Nove Rainhas”, “O Filho da Noiva”, “O Segredo dos Seus Olhos”) teve recepção de superstar em São Paulo, no fim de semana passado, causando tumulto ao participar da abertura da 5ª Mostra de Direitos Humanos.

Na próxima semana, o astro é ainda mais reluzente: o roteirista, diretor e produtor norte-americano Francis Ford Coppola, de “O Poderoso Chefão”, “Apocalypse Now” e “Drácula de Bram Stoker”. Mais citado nos últimos tempos como o pai da também diretora e roteirista Sofia Coppola, ele vem ao Brasil para o lançamento de “Tetro”.

A agenda de Coppola em São Paulo está concentrada na segunda-feira, dia 29. Pela manhã, haverá um encontro com alunos e professores da FAAP — onde, à tarde, ele dará entrevista coletiva de cronometrados 45 minutos. À noite, no cine Reserva Cultural, participará da pré-estreia de “Tetro”. Na terça-feira pela manhã, seguirá para cumprir agenda também compacta no Rio de Janeiro.

Produção independente rodada em Buenos Aires, “Tetro” tem lançamento no Brasil programado pela distribuidora Imovision (que trará Coppola) para 10 de dezembro — um ano e meio de atraso em relação à estreia nos Estados Unidos, em junho de 2009. Melhor assim do que o que ocorreu com o longa anterior do cineasta, “Youth Without Youth” (2007), ainda inédito no Brasil.

Nos anos 70, supor que isso um dia aconteceria com o então todo poderoso Coppola pareceria uma insensatez. Vencedor do Oscar de roteiro por “Patton” (1970), ele fez de “O Poderoso Chefão” (1972) um dos filmes mais rentáveis e populares da história, Oscar de melhor filme, roteiro adaptado (a segunda estatueta de Coppola, também indicado como diretor) e ator (Marlon Brando).

Com pouco mais de 30 anos, ele se consagrava como o mais talentoso cineasta da nova geração de Hollywood. Dois anos depois, emplacou uma dupla de longas entre os cinco candidatos ao Oscar de melhor filme: “O Poderoso Chefão 2″, que levou a principal estatueta (Coppola, agora produtor, a acumulou com as de direção e roteiro), e “A Conversação”, Palma de Ouro no Festival de Cannes.

Quer mais? Seu megalomaníaco projeto seguinte, “Apocalypse Now” (1979), emergiu de uma produção ultraconturbada — e inimaginável para os padrões atuais, com filmagens grandiosas e arriscadas em locações nas Filipinas — para também conquistar a Palma de Ouro em Cannes e se estabelecer como um dos grandes filmes de guerra da história.

Depois, vieram os problemas financeiros originados pelo sonho desmedido de erguer o Zoetrope Studios, o esforço para saldar dívidas por meio de filmes que não renderam o esperado e a lenta saída do buraco. Resultado: o ex-chefão que planejava brigar em pé de igualdade com os grandes estúdios virou, nos anos 2000, um produtor independente com dificuldades para lançar seus filmes.

“Tetro”, por exemplo, estreou nos EUA em apenas oito salas (o circuito chegou no máximo a 16), ficou dois meses em cartaz e arrecadou US$ 416 mil, para um orçamento estimado em US$ 15 milhões. Nos demais países onde foi ou será exibido com atraso, como o Brasil, teve lançamento discreto. Coppola, hoje com 71 anos, está incomodado com isso? Segundo ele, não.

“Eu saí dos trilhos depois do que aconteceu com ‘Chefão’. O tipo de sucesso que obtive pareceu me distanciar da espécie de cineasta que eu queria ser”, disse em entrevista a Danny Munso, da revista “Creative Screenwriting”, no lançamento de “Tetro”. “Quanto maior o orçamento, mais você precisa satisfazer o potencial de 4 mil cópias que correrão o país.”

Ou seja: para falar com muita gente, é preciso escrever “roteiros muito menos pessoais”, que “tendem a ser roteiros de gênero”, na avaliação de Coppola. E o que ele queria? Fazer filmes “pequenos e íntimos”, como as peças teatrais que escreveu na adolescência, e como alguns de seus primeiros longas — “Agora Você é um Homem” (1966), “Caminhos Mal Traçados” (1969) e “A Conversação”.

“Tetro” pertence a esse território — o mesmo, aliás, onde preferiu se estabelecer a filha Sofia (“As Virgens Suicidas”, “Encontros e Desencontros”), cujos filmes são produzidos pela produtora da família. Um marinheiro (Alden Ehrenreich) aproveita a parada de seu navio em Buenos Aires para visitar o irmão mais velho (Vincent Gallo), que era seu ídolo e que não vê há anos.

Ali, conhece a cunhada (Maribel Verdú) e descobre, por meio do diário secreto do irmão, fantasmas do passado que levam ao pai deles, um famoso maestro e compositor (Klaus Maria Brandauer). A boemia da capital argentina é recriada de forma romântica, em preto-e-branco; flashbacks e pesadelos são coloridos. E a cultura ítalo-americana ajuda a temperar afetivamente a história.

Sérgio Rizzo é jornalista e professor. É colunista das revistas Educação, Escola Pública, Língua Portuguesa, Ideia Socioambiental e Viração. Dá aulas na Universidade Mackenzie, na FAAP, na Academia Internacional de Cinema e na Casa do Saber.


Sua coluna sobre cinema no Yahoo! Brasil é publicada às terças-feiras.

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