Após longos anos de ausência, o cinema africano volta às telas brasileiras.
UM HOMEM QUE GRITA
será lançado no dia 19 de novembro, véspera do Dia da Consciência Negra,
com exclusividade pelo Guion.
Vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Cannes 2010, o filme participou do Mostra de Cinema de São Paulo,
contando inclusive com a presença do diretor Mahamat-SalehHaroun.
O filme é uma produção do Chade, e narra a interferência dos conflitos armados na região, e dentro desse quadro
as relações amorosas, as perdas de vida, sentimentos, amores e a disputa por espaço e sobrevivência nesse panorama hostil.
Os grandes Jornais do País, através dos seus críticos, já assistiram o filme na Mostra de São Paulo, e sempre com elogios ao filme.
LIBÉRATION
Um perfil de Mahamat-SalehHaroun
Por Michel Henry
Nascido no Chade e exilado na França, ele colocou seu país no mapa do cinema
Será que Mahamat-SalehHaroun(MSH) se deslumbrou após ser premiado em Cannes? Não, mas o cineasta chadiano bafora com gosto um charuto dos grossos na varanda de um café de Paris. A prova de sua conquista: apesar de ser trabalhador imigrante na França há quase trinta anos, recebeu do presidente Sarkozyuma carta, em 28 de maio, transmitindo-lhe “calorosas felicitações” pelo prêmio do júri, em Cannes, dado a “Um homem que grita”, filme perturbador que será lançado quarta-feira na França.
Uma segunda carta veio do presidente do Chade, Déby, para quem “o significado e a profundidade do filme colocam em xeque mais de um governante africano”. A começar por ele mesmo? O filme mostra como, em plena guerra civil, um pai se torna traidor e covarde diante do filho. O chefe de estado chadiano viu aí “um convite à reflexão por uma África sem guerra”.
Apesar de festejado por dois presidentes, Harounnão se tornou presidente de coisa alguma, certamente não do cinema africano, pelo simples motivo que seu filme era o primeiro do continente em competição em Cannes depois de treze anos. Ele não se considera porta-voz nem embaixador. MSH, 48 anos, só comanda seu próprio destino de “artesão” da película, mesmo que tenha conseguido uma bela conquista, colocando o Chade –país sem tradição cinematográfica nem salas de cinema em atividade –no mapa-múndi. É o sucesso da teimosia: o desaparecimento do cinema em sua terra natal era o tema de seu primeiro longa-metragem, “ByeByeAfrica” (1999). Neste filme irregular, registrado em vídeo em dez dias com 50.000 euros, o Harounexilado aparecia em cena, voltando ao Chade. Seu pai questionava:
-Não entendemos nada do que você faz. Você tinha enviado uma fita. Não entendi nada. Falava de um europeu...
-Freud.
-É seu amigo?
O pai continuava:
-Não é filme feito para nós. É filme para brancos. Se pelo menos você tivesse virado médico, poderia ter curado sua mãe. –E ainda: -Cinema serve pra quê? O país dos brancos é bonito. Lá não é sua casa. Nunca será. Se algum dia você pensar que é de lá, está perdido.
Cinema e exílio são o destino de Haroun. E fazer filme para brancos, nicho de vários cineastas africanos, expostos à indiferença ou à hostilidade de seus governantes, às vezes esquecidos pelo público de seu continente e condenados à invisibilidade no país de origem devido às salas de cinema fechadas. Em “ByeByeÁfrica”, Harounse questionava: “Sei que ninguém vê meus filmes aqui. Vez ou outra me pergunto por que os faço.” Mas ele teve razão em continuar sua luta. Não só pelo prêmio em Cannes: a Normandie, sala de cinema histórica em ruínas, está sendo restaurada em N’Djamenagraças a seu trabalho, que atraiu o investimento do Estado. Uma segunda sala, o Rio, poderia renascer. “Me propuseram criar um centro de formação audiovisual para jovens. Meu maior orgulho é ter acertado o alvo não pela palavra, mas pela ação.”
Haroundescobriu o cinema aos 9 anos, em Abéché, sua cidade natal, no centro do Chade, quando um tio o levou ao cine Chachati. Do filme de Bollywood, ele se lembra de um close em uma atriz indiana. “Ela me olhava. Achei que seu sorriso era pra mim. Ele continua a morar em mim.” Sua avó, Kaltouma, lhe passou o gosto pelas histórias. Com 11 anos, ele chega à capital, onde seu pai é diretor de uma escola. Na escola particular francesa, seu professor, Senhor Poniatowski, o faz perder o sotaque para que fale “como os francesinhos”. À noite, Harouncorre ao cinema com seus colegas. “Para nós, pouco importava qual era o filme.” Um porteiro os deixa entrar de graça. “A gente não tinha como pagar. Batíamos na porta. Pegávamos o filme no meio.” A projeção de “Roma, cidade aberta” instigou-o a fazer cinema.
Em 1979, porém, era N’Djamena, com a guerra civil, que estava mais para “cidade aberta”. Primeiros explosivos, primeiros mortos, dispersão de famílias e amigos, “o início da instabilidade”. Em 12 de fevereiro de 1979, MSH é atingido na perna por uma bala perdida. Empurrado por seu pai em um carrinho de mão, atravessa o rio em direção a Camarões, onde havia o hospital de emergência para militares franceses. Sensação de ser humilhado. “De repente, não somos absolutamente nada. Uma coisinha nesta barbárie. Minha vida não tinha mais sentido.” Foge para a Líbia, trabalha numa oficina durante um ano, em Sebha. Depois, seu pai, então diplomata, leva-o para passar um ano em Pequim. “Eu não fazia nada.” Não há eletricidade, pois o Chade não paga as contas, e seu pai não recebe salário. “Vivíamos com lampiões a querosene numa residência de diplomatas...” Harouneconomiza para percorrer a Transiberiana, desembarca em Moscou, depois Paris, em setembro de 1982. Nada fácil.
Come amendoins, como em Abéché: é o que o alimenta. Parte então para Bordeaux, para trabalhar como vigia noturno em um hospital, onde encontra sua primeira mulher, enfermeira, com quem tem um menino e uma menina (24 e 22 anos). Cursa jornalismo e exerce a profissão por quatro anos antes de se tornar cineasta.
Com seu estilo apurado e quatro longas nas costas, Harounse inspira em Robert Bresson, Chaplin, Ozu, Kiarostami, Jarmusch e Wenders, tanto quanto em SembeneOusmanee SouleymaneCissé, para fazer filmes com temas universais, que se passam em seu continente. A África “primeiro foi filmada e representada por terceiros”, tendo como resultado “uma espécie de quadro pendurado de costas” que ele pretende “recolocar no devido lugar”.
MSH vive em Paris, longe do Chade, para onde vai várias vezes por ano. Em 13 de abril de 2006, quando filmava “Daratt”, os rebeldes invadem N’Djamena. Trezentos mortos em algumas horas. É esta tensão que está por trás de “Um homem que grita”. Sob o título “À honra de nossa loucura”, o jornal “N’DjamenaHebdo” escreve que se MSH foi premiado em Cannes é “também graças a nós, todos os chadianos, famosos por nossa lendária loucura assassina, que sempre inspira seus roteiros.” Para mudar, MSH trabalha em um novo projeto, sobre a
odisseiado Probo Koala, navio que causou uma catástrofe ecológica na Costa do Marfim, em 2006. Um filme com produtos inflamáveis: cuidado ao acender o charuto, Haroun!
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