quarta-feira, 25 de maio de 2011

Malick e a arte de ser recluso


LONDRES – A indústria cinematográfica vive de exposição na mídia, e os profissionais da área, gostando ou não de falar à imprensa, são muitas vezes obrigados a cumprir agendas estafantes e aborrecidas para que seus filmes ganhem maior visibilidade. A regra tem suas exceções, claro, e o norte-americano Terrence Malick protagonizou a mais recente delas na cerimônia de premiação do Festival de Cannes, no último domingo.

“A Árvore da Vida”, o quinto longa-metragem de Malick, ganhou a Palma de Ouro de melhor filme, mas o diretor não estava lá para recebê-la, assim como Woody Allen também não foi a Los Angeles receber nenhum dos três Oscars que lhe concederam. A diferença é que Allen, nos últimos anos, deixou de agir como ermitão e passou a dançar a música da mídia, se tornando um entrevistado amistoso, com fôlego para maratonas de contatos com jornalistas, ao vivo e por telefone, no lançamento de seus filmes.

Malick, 67 anos, continua fiel à postura que adotou logo em seu primeiro longa, “Terra de Ninguém” (1973): não fala sobre seu trabalho porque acredita que os filmes cumprem essa função. Depois de “Cinzas no Paraíso” (1978), que levou o prêmio de direção em Cannes e o Oscar de fotografia (para o mestre cubano Néstor Almendros), ele ficou recluso por cerca de 20 anos, sem que os próprios colegas com os quais havia trabalhado soubessem exatamente o que andava fazendo.

O retorno ao cinema, com “Além da Linha Vermelha” (1998), consolidou seu prestígio como um dos diretores norte-americanos mais admirados de sua geração. “O Novo Mundo” (2005) e “A Árvore da Vida” completam sua obra. Malick realizou apenas cinco longas em 38 anos. Nesse mesmo período, para que se tenha uma ideia de como é peculiar o seu ritmo de trabalho para os padrões norte-americanos, Woody Allen dirigiu 37 longas; Steven Spielberg, 24; Martin Scorsese, 26; Francis Coppola, 15.

A chave da explicação está no fato de que Malick é um corpo estranho que não respeita os tais padrões norte-americanos. Quer um exemplo? Enquanto Allen não foi à universidade e Spielberg, Scorsese e Coppola estudaram cinema, Malick formou-se em filosofia pela Universidade de Harvard e especializou-se na obra do alemão Martin Heidegger (1889-1976). Aqui na Inglaterra, passou um período na Universidade de Oxford, mas está na lista de “evadidos” do Magdalen College, conforme relata Luke Blackall em reportagem de hoje no diário “The Independent”.

Diversas histórias folclóricas – talvez verdadeiras, talvez inventadas, ou um pouco das duas coisas – sobre o diretor circulam em Hollywood. Algumas foram contadas por sua ex-mulher, Michele Morette, e dão conta de curiosos hábitos domésticos. Por exemplo: não permitir que ninguém entre em seu escritório, para evitar que saibam no que está trabalhando, e esconder as capas de livros, revistas e CDs, para ocultar seus interesses de leitura e musicais.

No fundo, é espantoso que alguém com tamanha recusa a regras básicas da indústria cinematográfica – aparecer, circular, dar entrevistas, cultivar relações — tenha conseguido fazer cinco longas. Nesse aspecto, Malick lembra o período inglês de Stanley Kubrick (1928-1999). Nas três últimas décadas de sua carreira, o diretor de “Dr. Fantástico” (1964), “2001” (1968) e “Laranja Mecânica” (1971) também viveu isolado em um castelo, cercado pela família e por poucos auxiliares, guardando sigilo sobre os seus projetos, dos quais pouquíssimos viraram longas – cinco em 31 anos.

Kubrick, por sinal, está sendo homenageado desde março pela Cinemateca Francesa, em Paris, com uma ampla exposição que permanecerá em cartaz até o final de julho. Diversos itens pessoais – como roteiros com anotações, livros rabiscados e cartas – expõem um pouco do seu método perfeccionista. E que teve início cedo: ele começou a trabalhar, ainda na adolescência, como fotojornalista; a exposição na Cinemateca traz uma seleção de suas fotos para jornais e revistas.

Consta que Malick também ganhou a vida no jornalismo antes de fazer cinema. Não é preciso pedir ajuda a Freud para imaginar por que ele e Kubrick evitaram e evitam a mídia.


Fonte: Sergio Rizzo - colunista yahoo

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