domingo, 30 de outubro de 2011

Frans Hals


“Um dos maiores retratistas da história da pintura, o holandês Frans Hals cumpriu um destino comum a outros grandes nomes da pintura: o extraordinário talento convivendo com intermináveis problemas financeiros. Nascido por volta de 1580 em Antuérpia, ele arrastou uma vida quase pacata em Haarlem, no norte dos Países Baixos, e pouco se preocupou, durante sua carreira, com o estilo e as realizações dos grandes mestres italianos de sua época — como fez, por exemplo, seu contemporâneo Van Dyck. Criador, entre outras, de telas memoráveis como Cavaleiro Sorridente, talvez o mais admirado retrato do mundo depois da Mona Lisa, Hals foi, em essência, um autodidata responsável, com seus belos retratos, pela criação de uma pintura independente em seu país.”

Hals viveu e trabalhou sempre em Haarlem. Retratista de sucesso junto a figuras ilustres da sociedade, enfrentou contínuas dificuldades financeiras e morreu na mais completa miséria.


Cavaleiro Sorridente - 1624

Frans Hals nasceu em Antuérpia entre 1581 e 1585, filho de Franchoys Hals, operário têxtil de Mechelen, e de Adriaentgen van Geertenrijck, de Antuérpia. Não se sabe ao certo quando seu pai foi para Antuérpia ou quando se casou, mas parece que o casal não permaneceu na cidade por muito tempo, pois em 1591 eles se transferiram para Haarlem, importante centro da região norte do país.
E provável que a família tenha se transferido para Haarlem em 1585, ou pouco tempo depois, quando a protestante Antuérpia caiu nas mãos das forças católicas espanholas. A Espanha restabeleceu o catolicismo em Antuérpia e os protestantes tiveram o prazo de 5 anos para concluir seus negócios e abandonar a cidade. Em 1585, Franchoys se declarou católico, mas pode ter sido apenas uma tática. Tal como muitos de seus contemporâneos, é possível que a família tenha se mudado para o norte por motivos religiosos. A religião oficial das províncias setentrionais era a da Igreja Reformada, apesar de outras religiões também serem toleradas. A mudança para Haarlem, no entanto, foi motivada principalmente por questões de ordem financeira. Logo após a vitória espanhola, os holandeses praticamente romperam os laços comerciais com Antuérpia com o bloqueio do rio Scheldt. Com a invasão, mais de 600 trabalhadores das tecelagens migraram com suas famílias para Haarlem, que possuía um ativo parque industrial têxtil. E os Hals, com certeza, estavam entre eles.


Retrato de um casal - 1622

UM BREVE CASAMENTO
Os primeiros anos passados em Haarlem permanecem ainda um mistério. Um biógrafo anônimo do artista maneirista Karel van Mander incluiu o "retratista Frans Hals" na lista dos seus discípulos. Mas o próprio Van Mander jamais declarou ter ensinado a Hals, embora tivesse mencionado três outros alunos em seu Schilderboeck (Livro dos Pintores), publicado em 1604. Parece que Van Mander relutava em aceitar uma associação com Hals. Certamente os dois homens não tinham muitos pontos em comum, pelo menos no plano artístico.
A primeira referência documentada sobre Hals aparece em 1610, ano em que ele passou a integrar a Associação de São Lucas de Haarlem. Foi provavelmente nesse ano que se casou pela primeira vez. Sua mulher, Annetje Harmansdr, deu-lhe dois filhos — o primeiro, de nome
Harmen, foi batizado no dia 2 de setembro de 1611. O casamento não durou muito, pois Annetje morreu em 1615. Foi enterrada como indigente — primeira indicação das dificuldades financeiras que iriam abalá-lo durante toda sua vida.

OITO FILHOS, MAIS DÍVIDAS
As primeiras obras de Hals também datam de 1610, quando contava cerca de 30 anos. Mesmo considerando-se os inúmeros trabalhos desaparecidos do início da carreira, alguns fatos sugerem que Hals atingiu a maturidade artística relativamente tarde, pois foi só depois de 1616 que recebeu sua primeira encomenda importante: um retrato de grupo que denominou Banquete dos Oficiais da Companhia Cívica de São Jorge. Haarlem possuía duas milícias, formadas em estrutura militar, mas exercendo uma função predominantemente social. Ficaram famosas por seus longos banquetes — em 1621 foi criada uma lei que estipulava que esses banquetes deveriam durar no máximo três ou quatro dias. Hals se filiou à milícia de São Jorge — uma exceção, pois os sócios desta pertenciam, na maioria, às classes dominantes. O pintor chegou a retratar-se entre os oficiais num quadro que pintou em 1639. Hals convivia bem com a milícia, e soube captar, nos quadros, a alegre camaradagem ali existente.
Hals casou-se novamente em 1617. Sua segunda mulher, Lysbeth Reyniers, era uma camponesa de temperamento explosivo e sabe-se que esteve envolvida em constantes brigas. Teve, pelo menos, oito filhos com o artista, três dos quais também se tornariam pintores. Essa família em constante crescimento deve ter sido uma das causas das dificuldades financeiras de Hals. Embora um retratista de indubitável êxito, Hals não conseguia saldar suas dívidas e, por essa razão, costumava fazer trabalhos eventuais de restauração de telas, além de negociar arte para suprir as necessidades da família. Em 1616 foi chamado a um tribunal para esclarecer atrasos no pagamento do tutor de seus filhos do primeiro casamento. Durante a década de 1630 foi processado por seu senhorio e pelo sapateiro e, em 1654, um dos padeiros da cidade conseguiu confiscar sua propriedade em virtude do não pagamento de uma conta. Os bens que o pintor salvou foram poucos: três camas, travesseiros, roupas brancas, um guarda-louça e uma mesa de carvalho, além de cinco quadros, inclusive um de Van Mander.


A Jovem Cigana – 1628/30

UM TEMPERAMENTO OBSTINADO
Hals tinha um caráter rebelde e independente. Em 1636, já atolado em problemas financeiros, recusou-se a concluir uma encomenda altamente lucrativa, a de retratar uma milícia de Amsterdam, simplesmente porque não queria afastar-se de Haarlem nem mesmo para uma viagem curta até Amsterdam. Como os membros se recusassem a vir ao seu encontro, Hals abandonou os pincéis e o quadro teve que ser concluído por um outro artista.
A familia Hals carregava a marca da animosidade e do temperamento exaltado. Em 1608, um irmão de Frans, Joos, foi multado em Haarlem por insultar os guardas da cidade e por apedrejar um transeunte. Mais tarde, por volta de 1640, Sara, filha de Frans, foi internada num reformatório para uma reeducação moral — segundo os padrões da época — pois dera à luz um filho ilegítimo. E parece que Hals, além disso, bebia demais.
Os anos de 1630 foram os mais bem-sucedidos para o pintor. Por essa época ele vivia absorvido com inúmeras encomendas de retratos, tanto individual como em grupos, e recebeu uma proposta para pintar mais três peças para a milícia. Seus modelos incluíam pessoas dos mais altos escalões da sociedade — governantes, conselheiros, comerciantes, intelectuais e membros da guarda civil. Por volta de 1649, ele começou um retrato do famoso filósofo francês René Descartes. Hals dirigia também, nessa ocasião, um estúdio de renome — onde jamais utilizou os alunos como assistentes. Poucos deles, por sinal, foram capazes de imitar seu estilo singular. De qualquer forma, entre esses discípulos estavam alguns dos mais famosos nomes da pintura holandesa, como seu irmão Dirck e o brilhante Adriaen Brouwer. A talentosa Judith Leyster também sofreu influência de Hals e possivelmente foi sua aluna.


O Alegre Beberrão – 1628/30

NOVAS DIFICULDADES FINANCEIRAS
O êxito artístico de Frans Hals prosseguiu até o fim de seus dias, mas as encomendas sofreram uma ligeira queda a partir de 1640 — talvez um reflexo do crescente entusiasmo, entre os holandeses, pelo estilo elegante de Van Dyck. Apesar do sucesso, porém, ele não se livrava dos problemas financeiros. Em 1661, a Ordem de São Lucas isentou-o do pagamento de seus débitos e em 1662 ele teve que pedir ajuda aos conselheiros da cidade. A partir do ano seguinte, passou a receber um subsídio anual de 200 florins, e em 1664 deram-lhe três carregamentos de turfa, um material combustível, para acender o fogo nas noites de inverno.
Velho, com quase 80 anos, Hals não abandona os pincéis. Sua mão ainda é firme e a disposição não lhe foge. E durante os últimos anos que produz alguns de seus melhores retratos, como As Regentes do Asilo de Velhos, com uma impressionante visão da velhice. Hals espera a morte, seus personagens também. Aqui, as mulheres apenas parecem aguardar que o tempo se escoe. As pinceladas soltas e os contornos por vezes indefinidos anunciam dramaticamente a destruição da matéria. Hals morre com mais de 80 anos, a 29 de agosto de 1666. Os holandeses sepultaram seus restos mortais na Catedral de São Bavo, em Haarlem.

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