sexta-feira, 23 de abril de 2010

A materialidade do desenho



por Ana Zavadil
Pois o que faz o desenhista? Aproxima duas matérias; empurra suavemente o lápis preto em direção ao papel. Nada mais. A coesão do grafite é então solicitada à adesão pelo papel imaculado. O papel é despertado do seu sono de candura, despertado de seu pesadelo branco. A que distância começa o mútuo apelo, o íntimo apelo do preto e do branco? A partir de que limite a adesão extrovertida ultrapassa a coesão introvertida?
Gaston Bachelard

Falar de materialidade do desenho implica olhar profundamente através das camadas que o constitui, percebendo as diferentes matérias que se originam de ações precisas e estão no mesmo espaço/ tempo.
O desenho construído com rigores próprios é dotado de particularidades que capturam o nosso olhar por meio da substância e da forma instigante como são apresentados, ou seja, de maneira serial, em que cada uma das séries aponta para um apelo visual em relação ao tamanho ou ao material utilizado, tornando as distinções evidentes.
Os desenhos de Rosali Plentz têm identidade marcante, devido às relações entre os materiais, pois como são heterogêneos, não se dissolvem por inteiro quando misturados e, mesmo na mistura, ainda conservam as suas especificidades.Podemos eleger aspectos importantes nas séries de desenhos e listar características recorrentes no processo criativo, por exemplo, transparência, fluidez, contrastes, formas geométricas e o emprego de diversos materiais e suportes.
Os materiais, como o nanquim, o carvão, a grafite, o PVA, o giz de cera, os lápis aquarelados e dourados; o uso da borracha; as densidades variadas dos papéis; as veladuras, expostas pela sobreposição de materiais ou pelos papéis transparentes que cobrem os desenhos, nos indicam os caminhos das experimentações desta artista incansável na busca de novas possibilidades para o seu desenho. Nessa busca, ela nos surpreende com o seu fazer, quando, em uma nova proposta, costura os desenhos, elaborando tessituras entre a linha e os materiais, entre a linha do desenho e a linha da costura.
As tramas de linhas e texturas elucidam contrapontos, isto é, tensões entre o preto e o branco, o cheio e o vazio, o brilhante e o opaco. Essas tensões criam desafios para o olhar e, da repetição de elementos, surge uma aliada para chegar à perfeição técnica, nos proporcionando uma elegância de formas inteiramente abstratas.
Os desenhos de Rosali recriam o espaço na superfície do papel, em que o ritmo gráfico-pictórico resulta em indagações sobre a latente expansão do desenho à pintura, quando o desaparecimento das formas pela tinta se faz presente e transforma a aparência visual.
O desenho nunca experimentou tanta liberdade como na arte contemporânea. Hoje, ele é senhor de si e tem a possibilidade de ser expandido, hibridizado, inventado e reinventado a cada nova proposta artística. Rosali Plentz tira proveito dessa liberdade, por meio de sua técnica apurada, para seduzir o nosso olhar que se perde entre as linhas e nuances e, ainda, na beleza e na envergadura de sua obra plástica.

Ana Zavadil, crítica de arte, curadora independente, mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Arte Visuais pela UFSM

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